Coisas que devemos a Manuel Solà:
1. Conhecemo-nos
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nos últimos anos 60 entre os encontros de Barcelona (Pequeños Congresos) e a coincidência em Cambridge (LUBF) e percebemos que a nossa geração teria a responsabilidade de repensar questões como os sistemas de planeamento e governo local, as prioridades dos traçados, as morfologias urbanas e ainda a interpretação da história da urbanização - dos ensanches à expansão contemporânea. Ambos nos ocupávamos de centros de pesquisa e de ensino- e esperávamos a democracia nos nossos países.
Em 1971, recebemos o M.S. chegado dos EUA, para um cursillo de modelos de planeamento em Lisboa. Três anos mais tarde, após a revolução dos cravos, voltou a Lisboa quando, secretário de estado do governo provisório, convoquei uma dúzia de amigos de diversas origens e formações e nos fechámos dois ou três dias a discutir as políticas possíveis - na altura centradas na prioridade da habitação social. Daí saíram programas como o SAAL, as cooperativas e a reabilitação das áreas históricas.
2. Outros tantos anos mais tarde, foi a vez da mudança política em Espanha e dos colegas de Madrid contratarem alguns consultores para o ambicioso plano general (sob direcção de Mangada e Leira): além de mim, Campos-Venuti, Secchi e Manuel.
Ao longo desses anos continuámos a pensar em comum, participando no curso de doutoramento da ETSAB. Entre os anos 70 e 90 o LUB publicou pesquisas de enorme importância e actualidade que vieram a informar -quando regressei a
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Portugal, agora à Escola do Porto- a criação do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo, que se ocuparia com a urbanização extensiva (do nosso Noroeste) e participaria -como consultor- na produção de planos e projectos urbanos para municípios e campus universitários da região. Mantivemos então uma estreita relação com a urbanística barcelonesa e os colegas da ETSAB/LUB, como foi o caso de “Explosió de la Ciutat” que compara regiões urbanas europeias.
3. Um dos méritos de S.M. foi o de juntar no LUB, ainda antes do cambio, um notável grupo de colaboradores-autores que, partindo das teses inovadoras sobre o “modelo de Barcelona”, discutiam temas como “o espaço e o tempo”, as “formas do crescimento”, o “projectar a periferia”… conseguiram oportunidades de aplicação já na transformação democrática do poder local e regional. Do laboratório das ideias passaram ao laboratório do plano-projecto, projecto-urbano e da cidade extensiva. E finalmente a capacidade de exportação para outros países europeus e sul-americanos.
É verdade que esse quarto de século (1975-2000) teve em Portugal um percurso paralelo, em particular no “eixo” Catalunha - Galiza - Noroeste Português.
4. É interessante recordar que nos anos 80 -tempo de entrada na EU (e seu FEDER) em ambos os países ibéricos, já com dirigentes locais e nacionais eleitos- consolidaram-se os planos convencionais mas também emergiram os “projectos-urbanos” em resposta a oportunidades e outras prioridades. As culturas dominantes e os projectistas mais respeitáveis só viam reabilitações das áreas consolidadas, enquanto as áreas
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urbanas extensivas e entre-cidades se estudavam em laboratório e a sua reurbanização estruturante se adiava.
5. M.S. tinha plena consciência de que a investigação (não historiográfica) que então nos preocupava incluía necessariamente o confronto com a experimentação na realidade: aprender fazendo e avaliando resultados. Do “molle” à “illa” foram ensaios inovadores nesse sentido, em paralelo com as oportunidades dos “jocs” em que os teóricos do LUB de Busquets a Font se destacaram pela visão ampla da cidade extensiva (centralidades, acessibilidades, etc.)
Esta dialéctica investigação/projecto (e vice-versa) em que também nos aplicámos em Portugal -com as oportunidades do campus de Aveiro, da Expo de Lisboa e a reurbanização de municípios periféricos do Noroeste- não seria possível sem o trabalho teórico e reflexivo (então já transdisciplinar) das décadas anteriores.
6. Não nos surpreendeu, por estas razões, a dedicação absoluta de M.S., nas últimas décadas, à produção de projectos e textos críticos em países tão diversos -como se tivesse pouco tempo para nos deixar o seu legado- e que atravessam, à luz de hoje, as responsabilidades múltiplas com os territórios do urbano onde quer que estejam ou como sejam. Polémicos quando necessário, assertivos quanto possível.
Uma confissão final:
Afinal não era o N.P. “o homem que sabia demais” (tal como escreveu M.S. no prefácio do meu último livro). Esse homem era ele próprio, o Manuel, que muito me ensinou ao longo de quatro décadas de convivência inesquecível. / Porto
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